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Cinema em crítica

A memória dos talentos esquecidos

Relatos em documentário de Wim Wenders mantém a história dos músicos viva após 25 anos de sua estreia.

Luis Emanuel Fontana Calixto

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Os membros do Buena Vista Social Club juntos de Ry Cooder e seu filho, Joachim. Foto: Desconhecido

               Na cidade de Havana, capital de Cuba, em meados de 1940 e 1950, muitos talentos tocavam em casas de show, bares e clubes. Com o passar dos anos, essa história ficou na mente dos moradores. Quem sabe as memórias teriam caído no esquecimento se não fosse um dia em 1996. Ibrahim Ferrer, engraxate e vendedor de jornais aos quase 70 anos, famoso no passado como músico, mas atualmente aposentado, quando um velho amigo, Juan de Marcos González, correu para convidá-lo a tocar no conhecido estúdio Egrem.

               Ibrahim não teve tempo de se limpar da graxa, Juan insistia que fossem rápido. No local, o cantor encontrou com outros veteranos da música em Cuba, seus velhos amigos. Dentre eles, estavam a cantora Omara Portuondo e o clarinetista Compay Segundo. Todos se reuniram e executaram o antigo sucesso Candela.

               Naquele momento, encontrava-se no estúdio Ry Cooder, guitarrista e produtor estadunidense que ficou maravilhado com o número musical dos artistas. A partir dali, o americano seguiu com a ideia de produzir um álbum do grupo. Assim nasceu o Buena Vista Social Club, nome dado em homenagem a um dos diversos clubes que foram fechados durante o regime de Fidel Castro, que considerava esses espaços como elitistas e dominados pela música americana.

               Quando Wim Wenders, famoso diretor alemão, conhecido por obras como Asas do Desejo (1987), Paris, Texas (1984) e o recente, maravilhoso, Dias Perfeitos (2023), descobriu a história de Buena Vista Social Club através do álbum de mesmo nome lançado em 1996, decidiu registrá-la para o cinema, com apenas duas câmeras digitais da Sony.

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Capa do álbum "Buena Vista Social Club" com Ibrahim Ferrer em Havana, Cuba. Foto: Susan Archie e Nils Jorgensen

             O documentário tem momentos que aparentam ser encenados, em que essas pessoas seguiram coordenações do diretor. Trocas de ângulo, visto que havia apenas uma câmera, demonstram essa “atuação”. A narração, com os depoimentos de cada um dos membros, sobrepõe imagens em que os mesmos caminham pelas ruas de Havana, tocam em salões vazios, jogam dominó uns com os outros ou fazem alguma coisa representativa de quem são. São momentos encenados, mas que não deixam de trazer um pouco da realidade destas pessoas. Trata-se de um desses típicos questionamentos quanto aos documentários: o que é verdade e o que é ficção?

             A obra tem um tom melancólico que aumenta ao passo que o final se aproxima. Quando os personagens visitam Nova Iorque, nos Estados Unidos, alguns pela primeira vez e outros depois de décadas, por conta de um show, percebe-se uma mistura de melancolia e beleza. Principalmente, quando Ibrahim Ferrer caminha pelas ruas da cidade com sua câmera analógica e menciona que gostaria de trazer a esposa e os filhos, mas que já fica feliz por estar ali. Pode-se interpretar como o sonho americano no olhar de um morador da ilha de Cuba, no entanto, em minha interpretação, o que Wim Wenders captura neste documentário são talentos esquecidos com o tempo.

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O diretor Wim Wenders, dirige para Compay Segundo, membro do grupo, pelas ruas de Havana, em Cuba. Foto: Desconhecido

                Em um trecho do filme, Ry Cooder diz: “É uma daquelas coisas que acontece apenas uma vez na vida”, quando menciona a sorte de ter se deparado com os velhos talentos de Havana que, no passado, fizeram tanto sucesso. A música da cidade, dessas pessoas, sempre esteve lá, mas caiu no esquecimento com o passar dos anos. Ferrer se emociona pela oportunidade de conhecer um cartão-postal do mundo e, assim como qualquer um que conhecemos, se emociona ao viajar para novos lugares.

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Compay Segundo e Ry Cooder em um dos shows do grupo na década de 1990. Foto: Desconhecido

               Percussionistas e cantores, parte dos membros do Buena Vista Social Club faleceram desde o lançamento do documentário. A produção e o álbum são parte da extensão de seus talentos e memória. Não apenas musical, mas o aspecto cultural esquecido está presente em muitas cidades. Estes espaços, figuras ou histórias que não são lembrados pelo próprio governo municipal, assim como pelos moradores, que também têm parcela de responsabilidade nisso.

               Ao fim do filme, assistimos ao show do grupo musical em Nova Iorque, cada membro é mencionado para uma salva de palmas, antes de saírem do palco e a obra acabar. Aquela foi a última vez que se reuniram para tocar em totalidade. A memória é o que prolonga a vida de Buena Vista Social Club, os velhos clubes de Havana, Guarapuava e de tantos outros lugares no mundo.

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