Luis Emanuel Fontana e Gustavo Paulis
Além da estrutura: o impacto social de parques e praças
A forma com a qual o município investe nas áreas de lazer afeta o bem-estar da comunidade

Fortalecer os vínculos dos moradores com as praças e parques é democratizar o direito ao lazer. Foto: Luis Emanuel Calixto
"Quando eu tinha quatro anos, minha mãe me levou ao parque.
O sol da primavera ainda não estava quente. E a rua, quase vazia.
A bruxa dos meus contos de fadas veio andando.
E parou para catar uvas estragadas na sarjeta."
Mendiga, poema de Charles Reznikoff
Frequentes em grande parte das cidades do mundo, cada uma das praças e dos parques têm características próprias, não somente em estrutura e estilo. A utilidade desses espaços vai além da ideia de descanso ou de passagem. Áreas de lazer como essas fazem parte da paisagem urbana e são encontradas em diversos pontos de um município, não apenas no centro, como também em bairros periféricos. O uso e a infraestrutura mudam de acordo com a localização, mas por quê?
Mencionado no início desta reportagem, em seu poema "Mendiga", o poeta Charles Reznikoff descreve uma memória de infância. Nela, ao sair para passear no parque, o eu-lírico se depara com uma pessoa em situação de morador de rua. As áreas de lazer de Guarapuava (PR) também podem abrir espaços para que outra faceta da realidade apareça.
De acordo com o Plano Diretor de Guarapuava (2016/2026), documento com a principal função de garantir a organização e o desenvolvimento urbano de forma ordenada, o município dispõe de 26 praças e 10 parques. Os mais conhecidos são o Parque do Lago, o Parque das Araucárias e a Lagoa das Lágrimas, que se tornaram cartões postais da cidade. Estes são ambientes com áreas naturais que objetivam proporcionar momentos de lazer e tranquilidade. Os locais possuem áreas verdes que têm função na qualidade de vida dos moradores. Um contato direto com a natureza oferece alívio essencial para a manutenção de uma boa saúde mental.
Conforme explica a psicóloga Mirian Macedo, que estuda psicologia ambiental, é importante que haja o contato humano com ambientes naturais. A interação com essas áreas pode liberar neurotransmissores positivos, contribuindo significativamente para o bem-estar mental. "A regulação da pressão arterial, a sensação de pertencimento, a liberação de dopamina e serotonina aliviam sintomas de ansiedade e depressão. Isso tudo são benefícios físicos e mentais", explica.
Entretanto, há um cuidado maior e atenção aos parques mais conhecidos de Guarapuava, em sua infraestrutura, como pintura, disposição de bancos, disponibilidades de brinquedos, quadras, academia ao ar-livre, iluminação e reformas, que ocorrem com maior frequência. Enquanto isso, para além do centro de Guarapuava, o estado das praças e parques mais periféricos do município revelam uma realidade diferente.
Desigualdade estrutural
Os moradores da Rua Itararé, no Bairro dos Estados, vivem num loteamento irregular. As casas foram construídas de forma desordenada sobre um bioma de banhado, não propício para o desenvolvimento urbano. Juliana de Fátima Batista, vice-presidente da Associação de Moradores da Esperança, conta que a comunidade construiu o próprio parquinho. "Conseguimos os brinquedos e a comunidade toda ajudou a montar para as crianças", conta Juliana.
A geógrafa Patrícia Martins Oliveira estudou as praças públicas de Guarapuava e seu impacto social para a comunidade. Durante a pesquisa, percebeu que, mesmo as praças com menor qualidade, ainda trazem um sentimento de pertencimento territorial à periferia da cidade. "Existe uma desigualdade nessas pracinhas. O poder público faz a implantação dessas praças com algum objetivo de verba, mas atingindo o seu próprio interesse, não o do público que vai frequentar essas praças", salienta Patrícia.
Os moradores da Rua Itararé, invasão no bairro Jardim das Américas, improvisaram o próprio parque para as crianças da vizinhança, por conta da falta de estrutura e espaços assim por perto. Não se trata de uma história de superação, mas uma adaptação às situações precárias do bairro e a falta de um espaço próprio de lazer para as crianças. "Mesmo com certa precariedade, é o que tem. Então, eles utilizam desse espaço mesmo que com baixa qualidade de infraestrutura, de segurança e de estética", explica Patrícia.
O secretário de Planejamento e Urbanismo, Paulo Dirceu, comenta que, por conta de as revitalizações do município dependerem de recursos financiados pelo Governo do Estado e parcerias público-privadas, ocorre uma seleção dos locais. "É um dinheiro que você precisa atender o maior número de pessoas sempre. Independente da situação", argumenta Dirceu. Para a prefeitura, investir nos principais espaços de lazer da cidade, como o Parque do Lago e das Araucárias, beneficia um número maior de pessoas.
De acordo com a geógrafa Patrícia, a desigualdade entre os principais espaços de lazer da cidade, aqueles mais reconhecidos, representa uma desigualdade estrutural. "Por que eles dão mais ênfase nessas áreas centrais? Porque são mais vistas, não é? São as mais frequentadas por um outro tipo de público", explica.
Dessa forma, surge um público em Guarapuava que, ao buscar um lazer de qualidade próximo de sua moradia, não tem acesso a isso. Conforme a geógrafa, a precarização de espaços que deveriam ser seguros e acessíveis para o bem-estar da população reflete uma preferência do poder público por oferecer espaços que sejam mais vistos na cidade.
Resultados a longo prazo
Em 2017, a praça do bairro Tancredo Neves, mais conhecida como Tancredão, foi reformada. Quando a prefeitura percebeu a oportunidade de transformar a principal via do bairro em um centro comercial, desenvolveu um projeto de revitalização da Rua Cândido Xavier. Através de assembleias com os moradores, foram anotadas exigências e sugestões para melhoria do espaço. As mudanças incluíram postes de iluminação mais baixos, arborização e bancos ao longo da rua.
Eden Thales costuma levar o filho de 7 anos à praça, para jogar futebol. Morador do bairro, vê grande utilidade num espaço com essa infraestrutura para passar um tempo com o filho. "Em casa, não tem espaço suficiente para a criança jogar", conta Eden.
Há sete anos, a praça onde pai e filho passam tempo juntos hoje era apenas um ponto de ônibus e um campinho de barro para jogar bola. Atualmente, a estrutura faz parte da vida dos moradores da região como espaço para encontros de famílias, amigos e até mesmo campeonatos de futebol.
O potencial econômico levou à revitalização da rua e, inevitavelmente, da praça. Espaços de baixa renda, no qual moradores vivem de forma precária, nem sempre são vistos como uma oportunidade de desenvolvimento do município. No entanto, estes são ambientes de lazer gratuitos. O convívio entre a comunidade por meio das atividades e interações sociais e o contato com esses lugares desenvolvem o pertencimento territorial. Fortalecer os vínculos dos moradores com as praças e parques é democratizar o direito ao lazer, principalmente em praças periféricas.
Ao visitar diversos parques e praças durante o desenvolvimento da reportagem, foi possível perceber as diferenças nos cuidados e na atenção entre eles. Confira o ensaio fotográfico que retrata os lugares de lazer de Guarapuava no link abaixo.