Cinema em crítica
De volta ao que interessa
Sem desejo no cinema, os atores são apenas lindos manequins

Rivais (2024), dirigido por Luca Guadagnino
Luis Emanuel Calixto
Um suspiro em meio a repetições e fórmulas, desenvolvidas ou não por algoritmos, Challengers, ou Rivais, título nacional, chegou aos cinemas no dia 26 de abril deste ano e já está disponível no Amazon Prime. Dirigido por Luca Guadagnino, o mesmo responsável por Me Chame Pelo Seu Nome (2017), o filme é uma bela, romântica, sensual e longa partida de tênis.
Em Rivais, as estrelas são os atores Zendaya, Mike Faist e Josh O'Connor. A trama acompanha seus personagens, Tashi, Art e Patrick. Os dois rapazes são jogadores de tênis, o primeiro um campeão numa fase medíocre em quase fim de carreira, enquanto o outro é um herdeiro esgotado sem crédito no cartão.
Tashi Duncan, em outro momento uma jovem atleta promissora, é, no presente, a treinadora e esposa de Art. Os dois se encontram num campeonato pequeno, do outro lado da rede de Patrick, uma figura importante em seu passado.
Na partida, há mais do que um troféu em jogo. Rivais tem um ritmo diferente do que estamos acostumados numa realidade de rápido consumo, mas isso não significa que é lento. O que Guadagnino quer é que a audiência passe tempo com os personagens, os critique, entenda e se sinta desconfortável em ver neles muito de si mesmos.
Um filme bastante sensual, em que a paixão, o desejo e o poder estão presentes o tempo todo, algo que está em falta no cinema de hoje. Atualmente, as estrelas treinam com personal trainers caríssimos, entram em dietas rígidas, usam suplementos, entre outras coisas, para ficarem "em forma" para os papéis. Todos são belos e perfeitos, mas ninguém sente tesão por ninguém.
Em filmes dos anos 1980, principalmente, a sem-vergonhice parece determinar algo de humano ao invés de pornográfico. Os corpos de muitas estrelas eram endeusados, seguiam padrões para a época, mas eram assim pelo próprio prazer de seus donos, feitos para sentir. Nos filmes de alto orçamento de hoje, os corpos "perfeitos" do cinema costumam aparecer com a justificativa do preparo dos atores para longas sequências de luta, para que pareçam fortes e invencíveis.
O corpo deixa de ser extensão de amor e prazer e se torna uma arma, algo que, sem distrações, segue o objetivo de vencer. Os personagens malham para impor medo, são máquinas de luta. Quando o desejo é retirado deles, eles não flertam, não se amam de verdade, não se querem.
Ao fim de Rivais, prestei atenção na música tema, composta por Trent Reznor e Atticus, enquanto passavam os créditos. Gostei bastante, é gostosa de ouvir, mas além disso, ela é uma extensão da sensualidade e da bagunça amorosa do filme. O que me levou a uma certa reflexão.

Ritmo Quente (1987), dirigido por John Morris
A trilha de Rivais me trouxe de volta à Ritmo Quente, filme de 1987 que também tinha a própria música e a sensualidade explodindo na tela. Na cena acima, Patrick Swayze e Jennifer Grey pulsam de desejo um pelo outro a ponto de engatinhar pelo chão da sala vazia apenas para os dois. O corpo deles pertence a eles, mas a pele exposta e as atuações desprovidas de vergonha mostram uma vulnerabilidade diante um do outro.
Quando alguém fala sobre o amor romantizado do cinema, eles apontam para a perfeição dos atores e a irrealidade de seus sentimentos e o mundo à sua volta. Esses pontos são totalmente válidos. Ritmo Quente não deixa de ser uma obra feita com a fórmula da dança e do beijo final.
No entanto, o mais irreal no filme, em comparação aos dias de hoje, é a intensidade que os atores, logo, os personagens, demonstram nessa cena. Os olhares e as posições. São corpos padrões? Ao mesmo tempo que sim, eles já não são mais hoje em dia, os corpos de astros do cinema daquela época não são os mesmos que os de hoje. A atriz Jennifer Grey não teve que perder 90% da gordura corporal. No filme, sua pele é macia e sua interpretação é atraente, na mesma medida em que é inocente e livre.
São duas pessoas atraentes e ambas demonstram o desejo de estar juntas através da fisicalidade. O filme exagera em dados momentos, mas é a essência dele. Rivais, em minha opinião, retoma bons elementos dessas obras entre as décadas de 1980 e 1990. Os jogadores estão no auge físico para jogar e disputar, mas o corpo cede à tentação e à vulnerabilidade de desejar afeto. Além disso, é romântico, sensual, com grandes estrelas e uma música feita para o filme.

Ghost, do Outro Lado da Vida (1990), dirigido por Jerry Zucker
Em Ghost, Do Outro Lado da Vida (1990) vemos Swayze mais uma vez, acompanhado por Demi Moore. O casal faz "cerâmica" ao som de Unchained Melody, de The Righteous Brothers. Ele, sem camisa, ela, com uma regata decotada, as mãos sujas de argila enquanto esculpem uma escultura fálica. Está claro o que a cena representa.
Embora pareça cômica, levar isso até o fim e se dedicar para que aconteça exibe uma perversidade das pessoas por trás do filme também. Assim como Luca Guadagnino em Rivais, que guia o olho da audiência em cenas íntimas das quais não fazemos parte, mas obtemos o pior e o melhor delas, o prazer e a dor.
Alerta de Spoiler: Patrick Swayze morre no começo de Ghost. Depois disso, fica preso no plano astral até resolver seus assuntos inacabados no plano carnal. Enfim, ninguém mais o enxerga e o ouve, assim como não consegue tocar ninguém. Ao final do longa, quando o personagem de Swayze recebe a chance de se despedir da sua amada, o rapaz ganha uma forma espectral e a beija como um adeus.
Um abraço, um beijo, uma dança e a necessidade de ser enxergado por outra pessoa. Coisas simples que significam muito. Talvez pareça carência em relação ao ideal individualista de que devemos ser independentes em tudo e não depender de ninguém nunca. Na dura e fria realidade, precisamos de alguém para tudo. O alimento na sua mesa está ali porque alguém produziu. Você precisa de pessoas para conversar, para te ouvirem e compartilharem um pouco delas com você também. Alguém que escreva um livro, faça um filme ou produza uma música que pode mexer com você mesmo após décadas da estreia.
O desejo de ser visto e tocado não é algo vergonhoso, apenas humano. Parece que o discurso de independência perdeu os trilhos e disparou para a exclusão do outro e a necessidade de existir sozinho, mesmo que para isso você deva alcançar a forma perfeita. Lembre-se, isso não é feito para se expressar e sentir, mas para estar preparado para o combate que nunca chega.
Filmes como Ritmo Quente, Ghost, Top Gun (1986) e Flashdance (1983) são obras que conheci através da minha mãe. Assisti alguns com ela e outros não, mas sempre conversamos sobre eles depois, isso é especial. Obras antigas que até hoje podem nos conectar.
Recentemente, minha mãe gostou de Me Chame Pelo Seu Nome. Assistimos o filme em momentos diferentes. Ela gostou, porque a história mexeu com os pensamentos dela, porque ela se abriu a uma experiência diferente.
O meu ponto é como esses filmes divertidos, clichês, romantizados e com momentos bem pastelões e exagerados têm algo menos artificial que aqueles feitos para serem parecidos com eles. Longas produzidos atualmente para preencher o catálogo, cuja única razão de existir é porque o algoritmo notou um alto interesse por "filmes parecidos com os filmes dos anos 1980". Os originais não se levam tão a sério, mas ao menos acreditam no que vendem.
Rivais não é uma cópia dessas obras dos anos 1980, mas sim um reencontro refrescante, e necessário, para um cinema com desejo. O suor, a pele, a dinâmica de poder, a cobiça, a inveja e o amor fazem parte do filme. O que posso trazer para essa discussão e que talvez valha a pena ser abordado é que, sim, o cinema precisa de mais desejo e tesão em suas histórias.
Obras mencionadas:
Challengers ou Rivais (2024), dirigido por Luca Guadagnino.
Dirty Dancing ou Ritmo Quente (1987), dirigido por John Morris.
Flashdance ou Em Ritmo de Embalo (1983), dirigido por Adrian Lyne.
Ghost ou Do Outro Lado da Vida (1990), dirigido por Jerry Zucker.
Top Gun ou Ases Indomáveis (1986) dirigido por Tony Scott.
Unchained Melody (1965), performance de The Righteous Brothers.