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Daniel Simon e Eliezer Kailer

Escrito em Asfalto

 Entenda os processos de nomeação de rua e a importância histórica dessas escolhas

               A história de uma cidade não está apenas nos arquivos e acervos, mas também nas placas que dão nome às ruas e aos bairros. Todos os dias, pessoas deixam as casas rumo ao trabalho, fazendo parte do grande balé urbano que toma as rodovias: um fluxo de pedestres e veículos indo e vindo de todas as direções. Nesse labirinto de asfalto e concreto, os reais guias são os nomes. Sabemos que a Coronel Saldanha Marinho dá início a Pedro Siqueira, assim como que, para chegar na Dr. Laranjeiras, precisamos virar à esquerda na Xavier da Silva. 

               Na correria do dia-dia, esses estranhos doutores e coronéis acabam passando despercebidos, assim como as datas, marcadas tanto em vias quanto nos próprios calendários. E quando fazem diferença, é porque mudam de direção repentinamente, deixando pedestres e motoristas confusos. Que a XV de Novembro é uma homenagem à proclamação da república, todo mundo sabe. Mas quem escolhe o que deve ser eternizado ou não? O que as placas de Guarapuava, município com mais de 180 mil habitantes, podem nos contar sobre a trajetória da cidade? Todas as ruas levam ao passado, mesmo quando se alteram para melhor representar o presente.

               Para o aprendizado, devemos conhecer os processos urbanos que antecedem as escolhas de nome, além de algumas nuances do mapeamento de uma cidade. Um projeto de lei para a expansão urbana passa por diversas etapas até que seja oficializado. Ao todo, são necessários a demarcação da construção, o aval ambiental e urbanístico das respectivas secretarias municipais, o desenho do lote e da rede de água e o abastecimento de energia. Tudo deve corresponder sempre ao tipo de área administrada: uma rua, loteamento ou bairro.

               Esse é um elemento que causa confusão, segundo o gestor da Secretaria de  Planejamento e Urbanismo de Guarapuava, Rafael Martinos Back, já que as diferenças entre as unidades de urbanização não são bem conhecidas. “A gente percebe tanto no senso comum quanto na mídia, que as pessoas confundem muito os dois últimos. O loteamento está em um bairro, que é muito maior”. Essa desinformação faz com que pessoas assimilem mudanças específicas como correspondentes a todo um território.

               Conforme explica o próprio Back, os projetos de elaboração podem partir tanto da prefeitura quanto de um edital estadual ou federal. Nesses últimos casos, é incomum que a urbanização já tenha um nome vigente para depois da realização das obras. Ou seja, a Câmara Municipal tem o poder de escolha para a nomeação da área. 

               No passado, quando o desenvolvimento da cidade era menos organizado, estradas de terra e ruelas eram nomeadas conforme o costume da população. “Antigamente, se dava o nome conforme o conhecimento do local, o pessoal chamava de ‘Vila Bela’, e acabava ficando ‘Vila Bela’. Não tinha nenhum estudo até então”, informa o membro da da Secretaria de Planejamento e Urbanismo, Elsa Lustosa.

 

Confira mais informações site: portal.geoguarapuava.com.br/portal/apps/sites/#/geoguarapuava

Processos de nomeação

Conhecendo a história da cidade

               Melhor ou pior, hoje a elaboração de uma rua é muito mais burocrática. Para evitar problemas estruturais, como a falta de saneamento ou abastecimento, o desenvolvimento urbano precisa seguir várias diretrizes. Após aprovada, a rua está pronta para ser inaugurada, já com um nome selecionado. Em maioria, as nomenclaturas são escolhidas conforme a decisão dos vereadores. A Câmara Municipal vota no nome sugerido por um ou mais dos membros. Caso a maioria esteja a favor, a nomeação é oficializada.

               A alternativa pode partir do próprio vereador, como também ser encabeçada por uma mobilização popular. Um abaixo-assinado ou uma manifestação, por exemplo, podem comunicar a um vereador o interesse da população por determinado nome que a melhor represente. Isso pode ocorrer antes da votação ou depois, como um pedido de troca de nomes. Porém, mesmo nesses casos é necessário o engajamento de um representante da Câmara Municipal para iniciar o projeto de lei.

               Por parte dos vereadores, há alguns padrões na escolha de nomes. Como também dito por Back, era comum que, quando territórios urbanos englobassem parte de uma propriedade particular, fossem nomeadas em homenagem ao proprietário. Também são frequentes referências a marcos ou datas festivas que convirjam com a inauguração ou em relevância. Esse nome gravado na placa e nos arquivos da prefeitura, porém, só realmente importam quando caem no senso comum, como ressalta Back. Muito porque, mais importante, nomes podem sinalizar tanto posicionamentos políticos e opiniões quanto direções.

                Em um Estudo Histórico Quantitativo das Ruas e Praças de Guarapuava entre 1819 - 1982, pesquisadores da Unicentro encontraram as tendências de territórios urbanos em comparação com a demográfica da cidade. No período imperial, por exemplo, podemos perceber um número considerável de ruas e avenidas batizadas como nomes de santos. Isso mostra a influência da Igreja Católica naquele período, além de retratar a imagem do guarapuavano do passado como cristão. Também na pesquisa, estão os apontamentos de grafia para homenagem a doutores e membros do exército. Esses padrões permanecem os mesmos e evitam maiores confusões.

                A professora Terezinha Saldanha, do curso de História da Unicentro, foi uma das autoras do estudo. Ela realça a importância de caracterizar a cidade à imagem da atual população em relação ao passado que decidimos imortalizar: “ruas são partes da nossas vidas, mesmo que a gente nem note, às vezes”. Ex-presidentes e figuras históricas são constantes entre os homenageados com praças e avenidas, mesmo quando contradizem a atual sociedade brasileira. Ainda é necessário preservar um bandeirante fora dos livros de história? E existe maior pertinência à Ditadura do que a inauguração de uma nova rua Castelo Branco?

               Durante a infância, Terezinha assistiu em primeira mão a importância de um nome para a população. A entrega de um conjunto habitacional fomentou uma mobilização social. Além de receber as casas, os novos moradores escolheram um novo homenageado. O prefeito na época, concedeu o pedido, e o nome na placa era uma homenagem ao célebre piloto que havia falecido naquela mesma semana, o Ayrton Senna.

A importância da vontade popular

               O núcleo Ayrton Senna é uma pequena localidade composta por quatro ruas, e fica entre dois grandes bairros setoriais de Guarapuava. Ao leste do núcleo, existe o bairro Tancredo Neves – nome em homenagem ao presidente eleito, mas não empossado na década de 1980 – que faz parte da região Boqueirão. Ao oeste do Ayrton Senna, há outro bairro, chamado Vila Bela, um dos maiores da cidade.                         Durante a década de 1990, a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) cedeu moradias por todo estado. As pessoas interessadas em ter casa própria se inscreviam no programa e eram contempladas com a moradia, tendo um plano diferente para adição de bens e formas de pagamento.

               O núcleo foi criado sob o nome Vila Bela II em referência ao bairro vizinho, uma vez que a localidade faria parte deste outro setor. Foram construídas por rua 28 casas, totalizando em 112 moradias. Em 1994, ano que o conjunto habitacional foi entregue, as casas precisavam de acabamento, o que ocasionou uma série de mutirões dos inscritos e suas famílias para que as residências pudessem ser finalizadas e, por fim, entregues. Ivan Brusczmiski, 46 anos, foi ao lado de sua família participante ativo destes mutirões de acabamento. “Os próprios – futuros – moradores vinham trabalhar no mutirão. E trabalhavam em qualquer casa, sem escolher. Os serviços eram variados, como hoje tem que abrir valeta na última rua ou tem que pintar na rua de cima”, relembra Ivan.

               As casas eram padronizadas com tamanhos similares, com uma cozinha, dois quartos, uma sala e um banheiro. Os terrenos – com exceção dos de esquina – tinham tamanhos iguais e limites demarcados com estacas no chão. As famílias que mais trabalhassem na finalização das casas teriam direito a escolher suas residências, sem precisar participar do sorteio e estar refém da aleatoriedade.

               Em 25 de abril de 1994, ocorreu a distribuição das casas. Em um caminhão, o então prefeito de Guarapuava naquele período, Fernando Ribas Carli, fez o sorteio das casas para os inscritos a receber a moradia. A vermelhidão dos terrenos confundia a terra vermelha das ruas, que levavam o nome de escritores brasileiros. Cassimiro de Abreu, Fagundes Varela e Martins Pena davam o nome a três das quatro ruas do pequeno núcleo. A rua dita como principal, que cruzava interligava o bairro Tancredo Neves e Vila Bela, levava o nome do Marechal Deodoro da Fonseca, figura importante para a proclamação da república brasileira. Dava-se início ao conjunto habitacional Vila Bela II.

                No feriado internacional do dia do trabalhador, 1º de maio de 1994, o piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna, faleceu durante uma corrida na qual competia. A comoção nacional pela morte do piloto, que faleceu no GP de San Marino, chegou também ao interior do Paraná. Maria Salete Brusczmiski, que recém tinha escolhido a casa para sua mãe no então novo bairro, saiu de seu bairro Santa Cruz e, descontente com o nome Vila Bela II, resolveu ao lado de outro morador fazer uma petição para que o nome da localidade fosse mudado.

                A sugestão feita por Salete foi que o núcleo deveria se chamar Ayrton Senna, em homenagem ao então falecido piloto. Ela lembra que saiu para coletar assinaturas durante aquele dia para levarem a solicitação à prefeitura. “Eu vim chorando do bairro Santa Cruz e conversei com outro morador, Vanderlei, que também apoiava a mudança do nome. Muita gente assinou, depois disso, levamos na prefeitura, onde ficou registrado como Núcleo Residencial Ayrton Senna”, rememora Maria Salete.

               Após essa movimentação popular pela mudança do nome da localidade, uma placa foi instalada como outdoor. Nela havia uma foto do carro de Ayrton Senna, além do novo nome, ficou exibido por muito tempo até ser retirado. Há uma série de formas de nomeação a uma localidade, o caso do núcleo Ayrton Senna é excepcional, já que é dado pela prefeitura foi modificado pelos moradores da localidade e o que foi sugerido se mantém até os dias atuais.

              

               Escute nossa entrevista com os moradores do conjunto residencial Ayrton Senna:

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