Ana Mattos e Beatriz Florentino Viana
Acessibilidade e inclusão: a prática de atividade esportiva como qualidade de vida para pessoas com deficiência
Rafael, Vinícius e Rozalino são PCD’s com um sonho em comum: o esporte
A acessibilidade é uma articulação que possibilita às pessoas com deficiência poder usufruir de espaços urbanos, serviços de transporte, meios de comunicação e informação e educação, eliminando barreiras, garantindo a inclusão social e promovendo benefícios para que todos tenham autonomia para executar ações no dia a dia.
Segundo estimativas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, estima-se que a população com deficiência no Brasil é de 18,6 milhões de pessoas. Esse número representa 8,9% de toda a população brasileira, com idade igual ou superior a dois anos. No mundo, essa soma chega a 1 bilhão, o que faz com que este seja o maior dos grupos minorizados socialmente.
Atualmente, a pessoa com deficiência possui direitos por meio da Lei de Acessibilidade, n° 13.146/2015, ou comumente conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. É uma legislação nacional, que tem como principal objetivo a promoção da inclusão e plena participação das pessoas com deficiência na sociedade.
Na prática, a inclusão social para as pessoas com deficiência não funciona como na lei. Especial, deficiente, portadora de deficiência, pessoa com necessidades específicas. Todos esses termos são popular - e erroneamente - utilizados quando a ideia é se referir a uma pessoa com deficiência, que é o termo correto. A nomenclatura não é a única controvérsia que permeia o tema, existem vários preconceitos e equívocos que impedem o avanço para um ambiente inclusivo. Considerada uma das mais recorrentes formas de preconceito contra pessoas com deficiência, o capacitismo é a discriminação ocorrida por meio de determinados tratamentos, formas de comunicação, práticas, barreiras físicas e arquitetônicas que impedem o pleno exercício da cidadania dessas pessoas. O capacitismo é caracterizado, principalmente, quando se pressupõe que alguém é incapaz apenas pelo fato de possuir alguma deficiência.

Os atletas Rozalino, Rafael e Vinícius em seu ambiente de treino e competição. Foto: Arquivo pessoal
Esportes adaptados para pessoas com deficiência
O esporte adaptado torna-se uma prática capaz de interligar os deficientes ao meio social. A ação surgiu inicialmente para pessoas com deficiência auditiva, seguidas de atividades como natação e atletismo para deficientes visuais. Já a deficiência física começou a ser trabalhada após a Segunda Guerra Mundial, para tratamento e inserção dos soldados multilados. Esse foi o pontapé para o surgimento de competições.
Os jogos ao estilo olímpico designados para atletas com deficiência foram organizados pela primeira vez em Roma, em 1960. Eles foram realizados imediatamente após a conclusão dos Jogos Olímpicos. Os Jogos Paralímpicos desde então se tornaram um dos maiores eventos esportivos do mundo, com o intuito de promover a inclusão social.
Em 2024, a Paralimpíada vai ser disputada em Paris, na França. A 17ª edição dos jogos deve reunir cerca de 4,4 mil paratletas, que estarão competindo em 22 modalidades. Deste total, estão asseguradas a participação de 124 esportistas brasileiros. Dentre os competidores, estão 13 paratletas paranaenses, que disputarão medalhas na canoagem, judô, rugby, pentatlo moderno, ginástica rítmica individual e conjunto, ginástica artística, vôlei e handebol.
Aos 12 anos de idade, Vinícius Bail sofreu um acidente que transformou a vida dele: uma trave de futsal caiu em sua cabeça. Ele teve traumatismo craniano encefálico e, devido à pressão intracraniana, os nervos ópticos foram atrofiados, o que levou à perda de visão. “Após o acidente, eu passei por um momento bem complicado, principalmente por ter que me adaptar. Eu tive que aprender o Braille, a usar a bengala, a qual eu não tive uma aceitação muito grande, e a me virar sem a visão. Foi um processo bem difícil ”, lembra.
A vida de Vinícius se abriu ao esporte por causa de um filme que assistiu. A narrativa contava a história de um corredor que tinha deficiência visual, experiência que se tornou um gatilho positivo na vida dele. "Se ele pode, porque eu não posso?", lembra. E, assim, com 16 anos, Bail adentrou no atletismo. Primeiramente, ele focou na corrida. Em seguida, conheceu um amigo que se propôs a ser o seu guia, o Pedroso, que o auxilia nos processos de treinamento e também nos campeonatos.
No início, o paratleta só tinha vontade de praticar o esporte. Entretanto, ao ganhar o primeiro pódio, a vontade de continuar competindo foi crescendo. Mesmo assim, e com o apoio de amigos e familiares, Vinícius já pensou em desistir. "Quando eu treinava, sentia vontade de ter ficado em casa. O corpo não estava respondendo muito bem. Senti que faltava eu ter conhecido novas pessoas e continuar mantendo contato com os que já tinha. Todos esses fatores contribuíram para que eu ficasse com a sensação de estar estacionado", relata Vinícius.
Atualmente, a prática do esporte representa superação na vida do paratleta e também se tornou uma válvula de escape para a ansiedade. Vinícius se formou em Educação Física. Junto com a corrida, também é atleta de triatlo. "No Paraná, até onde eu saiba, eu sou o único triatleta deficiente visual", salienta.
Assim como Vinícius, Rafael Toginon também não nasceu deficiente. Em uma situação conflituosa, ele levou um tiro nas costas. Com o ocorrido, ele perdeu o movimento das pernas. “Eu tinha 14 anos quando aconteceu”, relata Rafael. Na época, ele fazia academia e gostava de futebol, inclusive, tinha planos de ir à Chapecó (SC) fazer um teste para entrar na base do time. Mesmo depois do acidente, ele não deixou de praticar esporte, só que agora em um ramo diferente, o fisiculturismo. “Eu sempre fui bastante zoado por ser magro. Quando comecei a fazer academia, dei uma encorpada. O que me auxiliou nesse processo foi a autoestima”, comenta.
Ele garante não ter nenhuma dificuldade em treinar. Na academia, é disponibilizada uma caixa de pallet, para que ele possa apoiar as pernas. O atleta também leva uma corda, que é amarrada aos tornozelos, para dar a sustentação necessária na hora de fazer o exercício de musculação.
O incidente provocou mudanças em sua vida, mas ainda assim não o desmotivou a afastar-se do esporte. Rafael deixou de ser atleta naquilo que mais gostava de fazer, jogar bola, e passar por esse período de ter que mudar de modalidade por causa da falta de mobilidade nas pernas foi um choque. “O futebol era a minha paixão. Mas uma hora você tem que crescer e aceitei o que estava disponível naquele momento para mim, o basquete e a academia”. Atualmente, Rafael está praticando o fisiculturismo e se preparando para os campeonatos de basquete.

Esporte adaptado para pessoas com deficiência. Fonte: Banco de Imagens
O esporte como ferramenta de inclusão
Rozalino Ramos é outro exemplo de superação pelo esporte. Aos 14 anos, enquanto caminhava com outro garoto, levou um tiro de arma de fogo na perna direita. “Minha perna gangrenou e não tinha como recuperar a perna”. Ela foi amputada e Rozalino teve que se adaptar à bengala e à muleta, pois não conseguiu habituar-se a uma perna mecânica.
O atleta pratica esporte há cerca de 15 anos, focando-se no basquete. Hoje, aos 56 anos, ele reconhece que praticar o basquete significa interação e prazer pela vida. “No basquete, eu consegui me apaixonar pelo esporte e, diante disso, percebi o quanto era importante praticar, principalmente com os demais colegas. Atualmente, eu estou coordenando o time de basquete de cadeirantes de Guarapuava”, relata o atleta.
Rozalino coordena a Associação de Deficientes Físicos de Guarapuava. Este projeto é uma organização da sociedade civil, fundada em 1988, por um grupo de pessoas com deficiência que buscavam melhor acesso aos seus direitos. Atualmente, atendem cerca de 150 usuários e suas famílias, promovendo a garantia de direitos e a inclusão na sociedade. O objetivo da instituição é proporcionar assistência social, garantia de direitos e inclusão das pessoas com deficiência física.
Além disso, o atleta conta que o time de basquete do qual faz parte está passando por dificuldades financeiras e pede a solidariedade daqueles que podem ajudar. “Nós estávamos parados nestes últimos três anos, por causa da pandemia. Consequentemente, o basquete sobre rodas ficou totalmente parado. Este ano nós voltamos, mas não temos recursos suficientes para nos prepararmos para o Campeonato Paranaense que vai ocorrer nos dias 16, 17 e 18 de agosto. Vamos competir da maneira que a gente puder, já que não houve uma busca de recursos anteriormente”, completa Rozalino.
Documentário aborda a inclusão das pessoas com deficiência do Município de Guarapuava
A reportagem acima traz a história de três atletas que, em algum momento, sofreram uma mudança: tornaram-se pessoas com deficiência. Rafael, Rosalino e Vinícius passaram por momentos difíceis. Entretanto, o esporte motivou-lhes a encarar o processo da inclusão.
A entrada dos atletas em suas respectivas modalidades é diferente. Rafael já praticava esporte e estava se preparando para entrar na base do time de futebol. Já Rosalino e Vinícius não praticavam nenhuma modalidade e, devido ao acidente, adentraram a atividade física.
Para saber mais a respeito da vida destes atletas, clique no link abaixo e assista ParaEsportes: o documentário que conta a história de três atletas PCD’s.